Conheci Row há alguns anos, quando eu tinha apenas sete anos de idade.
Naquela época, eu estava aprendendo a ler e resolvi dedicar o meu tempo a aprender a falar como um adulto; eu os observava conversando entre si para aprender os tópicos abordados e lia dicionários para que meu vocabulário ficasse mais amplo. Ao final daquele ano, eu possuía um vocabulário muito maior que o da minha professora.
Portanto, eu estava absorta lendo um dicionário quando ouvi uma batida na janela do meu quarto. Olhei assustada, procurando identificar a sua origem, e me deparei com um minúsculo passarinho me encarando cheio de dor. Logo em seguida, ele caiu, sumindo do meu campo de visão.
Eu saí correndo, pensando no que aconteceria ao coitado se Pudim o encontrasse antes de mim. Felizmente, encontrei o pássaro, ainda consciente, deitado próximo à janela do meu quarto; meu cachorro dormia ao lado da porta que levava à cozinha, tão preguiçoso que sequer levantou os olhos quando passei por ele.
Não me lembrava de qual era o nome daquela espécie, mas eu sabia que era comum, pois já vira muitos pássaros como aquele. Ele era menor do que a maioria dos que havia visto, portanto, provavelmente era um filhote.
Segurei a criaturinha com cuidado e levei até a minha mãe. Ela provavelmente saberia lidar com a situação melhor do que eu, já que trabalhava com animais – mesmo que ela só realmente soubesse sobre os que já haviam morrido há muito tempo – e eu não tinha conhecimento algum a respeito.
Mamãe me olhou com um misto de espanto e caridade quando eu o levei até ela. Ela examinou a pequena ave em cima da bancada da cozinha, tentando não machuca-la. O pássaro não desgrudou os olhos de mim e parecia pedir ajuda.
Alguns longos minutos depois, mamãe disse que esse pássaro era um filhote de bem-te-vi e que uma de suas asas estava quebrada. Com a minha ajuda, ela improvisou uma tala para imobilizá-la e, depois, colocou-o dentro de uma caixa de sapato e disse que eu o alimentasse com maçãs.
– Como sabe que ele come maçãs? – Eu perguntei, mamãe não podia ser tão boa assim.
– Nós sempre deixamos pedaços de frutas por aí para os passarinhos comerem. Você sabe como seu pai gosta deles por aqui. Eu já vi passarinhos como esse comendo frutas.
Querendo mostrar que seria responsável e cuidaria bem do passarinho, peguei uma maçã na geladeira, pedi à mamãe que ela cortasse em pequenos pedaços – porque ela continuava a se recusar a deixar que eu chegasse perto de uma faca; como se eu fosse matá-la enquanto dorme ou algo assim! – e levei a caixa com o pássaro e os pedaços de maçã para o meu quarto.
Lembro-me muito bem das horas que se seguiram. Ele estava realmente deprimido – seus olhos pareciam tão tristes que chorei várias vezes por ele –, mas eu tentava animá-lo conversando enquanto dava os pequenos pedaços de maçã.
A princípio, ele apenas me encarava confuso e cheio de dor, também não tocava na comida que eu lhe dava. Comecei a me preocupar, meus olhos se enchiam de lágrimas só de pensar no que aconteceria caso o pássaro continuasse com essa atitude.
Passava de cinco horas da tarde quando, finalmente, percebi que ele começava a compreender o meu recado. Ele parecia um pouco menos triste, ainda que fosse evidente que continuava a sentir dor, e começou a se esforçar para comer os pedaços de maçã que eu lhe dava.
Naquele dia, eu só o deixei sozinho por meia hora enquanto jantava com a minha família e, à noite, nem percebi quando adormeci ao lado da caixa. Lembro-me até hoje que tive um sonho vívido em que eu era um pássaro.
Acordei de repente na manhã seguinte, sem compreender ao certo o que me acordara.
– Fome… – ouvi uma voz muito aguda dizendo, – estou com fome!
Levantei a cabeça e me voltei para a voz. Sonolenta, demorei alguns segundo para perceber que encarava o pássaro.
– Estou com fome. Você tem alguma coisa para comer com você? – Perguntou.
Eu precisei conter o grito. Engoli-o duas vezes antes que conseguisse gaguejar.
– Você fala…?
Ele me encarou orgulhoso.
– Claro que eu falo! Você não se lembra de como me ensinou? – Devo ter parecido muito confusa, pois ele acrescentou: – no começo, eu não entendia as palavras que você colocou na minha cabeça, mas depois comecei a prestar atenção para afastar a dor e aprendi a entender. Você não tem nada para comer mesmo? Estou faminto!
– Eu não te ensinei… como poderia?
– Não sei. Que tal um pouco mais daquela fruta? Você a chamou de maçã?
Decidi deixar aquele assunto de lado por enquanto. Eu estava com tanta fome quanto o pássaro dizia estar, pois comera pouco no dia anterior. Levantei-me, prometendo trazer algo para comer, quando me lembrei de uma pergunta que não fizera: a mais importante.
– Qual é o seu nome? O meu é…
– Astreia, eu sei. O meu nome é Row, do clã dos Pitangus sulphuratus[1]!
Eu assenti e saí. Nunca mais nos separamos, mas resolvemos que eu não revelaria a ninguém que Row podia falar e jamais admitimos nossa amizade para as outras pessoas; assim, ele poderia continuar livre e eu não precisaria ouvir perguntas que não saberia responder.
Depois de muito pesquisar sobre comportamento animal, rendi-me ao fato de que o que ocorrera naquele momento fora magia. Minha primeira, mas, certamente, não a última.